Lenda da Cova do Gigante
Em tempos de que não há memória, a população do vale de Arruda vivia atormentada por um terrível gigante. Era tão grande e monstruoso que devorava tudo à sua volta de uma única vez, desde manadas de bois e ovelhas, às próprias pessoas que apanhava distraídas e tragava com crueldade. Depois palitava os dentes com os arados e dormia a sesta de barriga cheia. Ressonava de uma forma tão assustadora que as casas tremiam à sua volta. Era de facto uma criatura medonha e que não dava paz aos habitantes de Arruda.
Numa tarde de trovoada, uma velhinha do Lugar da Monteira saiu de casa para recolher o seu gado, quando foi surpreendida pelo temível Gigante que se preparava para comê-la. Sem outro recurso para se defender, ajoelhou-se, ergueu as mãos e pediu intercessão aos Céus. Nesse mesmo momento, o Gigante foi fulminado por um raio.
Devido ao seu tamanho, a população não podendo remover o corpo pestilento do lugar, cobriu-o rapidamente com cestos de terra até ganhar a forma de um monte alongado, semelhante a uma grande sepultura. Assim surgiu a “ Cova do Gigante”.
Lenda dos Quarenta Queimados
No Lugar da Mata há uma Lapa que se crê ter ligação subterrânea a Sintra, sendo por isso conhecida por “Cano de Sintra”. No seu interior existem corredores labirínticos, alguns deles sem saída, onde os mouros ocultaram grandes tesouros.
Durante a crise de 1383-1385, o rei de Castela, D. João, a caminho da cidade de Lisboa para cercá-la e tomá-la aos portugueses, pernoitou no Paço de Arruda. Durante a noite, dois fidalgos Arrudenses que se tinham escondido debaixo do leito onde dormia o rei castelhano tentaram apunhalá-lo mas foram descobertos e condenados de imediato à morte na forca. A população, com medo, abandonou a vila e escondeu-se no “ Cano de Sintra”. Os castelhanos, apercebendo-se da fuga, incendiaram a entrada da gruta, provocando assim a morte a 40 pessoas.
Lenda dos Fornos das Antas
Quando os mouros tomaram de assalto a vila de Arruda aos cristãos, as populações aqui residentes conseguiram salvar a Imagem da Virgem que veneravam na igreja desde o tempo dos Visigodos. Durante a noite, esconderam-na numa lapa, no Lugar das Antas, na esperança de que esta terra voltasse um dia a ser reconquistada pelos seguidores da Fé Cristã.
Conta-se que, durante os quatro séculos em que a Imagem ali esteve escondida, as pedras dos fornos se mantinham milagrosamente aquecidas durante 24 horas, cozendo ininterruptamente fornadas de pão, para maravilha e espanto das populações.
Quando D. Afonso Henriques reconquistou Arruda aos mouros, a vila foi repovoada por cruzados ingleses que o tinham ajudado na conquista de Lisboa de 1147. Nessa altura, o primeiro rei de Portugal mandou reedificar o templo cristão, deixado ao abandono pelos mouros. Ordenou ainda que a imagem de pedra da Virgem escondida na lapa das Antas regressasse para o seu altar e que a igreja fosse consagrada a Santa Maria de Arruda.
Lenda de D. Manuel I e da Peste
Segundo a tradição, as festas em Honra de Nossa Senhora da Salvação remontam ao século XVI, ao reinado de D. Manuel I.
Sendo informado que esta sua terra gozava de “bons ares”, o rei refugiou-se com a sua corte no Paço de Arruda, durante um surto de peste que grassou na cidade de Lisboa e que provocou grande mortandade. Tendo prometido reconstruir a igreja de Arruda e dedicá-la a Nossa Senhora da Salvação, caso a família real saísse ilesa dessa epidemia - o que se veio a verificar – o monarca ordenou a restauração e ampliação da igreja, bem como o alindamento da primitiva Imagem de Santa Maria.
Estas obras decorreram entre 1525 e 1531, já no reinado de D. João III, e desde essa altura, realiza-se todos os anos, no dia 15 de Agosto, solene procissão em Honra de Nossa Senhora da Salvação, como voto de agradecimento do rei.
Lenda da Cobra e das Cinzas
Conta-se que no alto de São Sebastião vivia em tempos uma camponesa que deu à luz uma linda menina.
A criança dormia toda a noite, mas durante o dia chorava com fome e não medrava. Desesperada e sem saber o que fazer, a pobre mulher recorreu a uma vizinha que lhe disse para nessa noite espalhar cinzas sobre o chão de terra batida do quarto e aguardar o resultado. No dia seguinte, quando acordou, a mulher verificou nas cinzas o rasto de uma grande cobra. Na noite seguinte, voltou a repetir a operação, desta vez com a ajuda dos vizinhos que ficaram de vigilância, munidos de cajados para acabar de vez com aquele “Mal”.
A enorme cobra entrava em casa, “dava a coca” a toda a família e alimentava-se do leite da mulher. Colocava o rabo na boca da criança, que chuchava toda a noite em vão, impedida de mamar. Depois de “encher a barriga” e ficar mole, a cobra afastava-se da casa regressando ao seu covil. Porém, nessa madrugada, estando toda a vizinhança em alerta, atacaram a “bicha” com cajados até conseguirem matá-la e acabarem de vez com aquele martírio.
A partir desse dia, a criança voltou novamente a “medrar” e cresceu saudável.
Lenda da Parteira e dos Mouros
Até há bem pouco tempo havia famílias de mouros a viverem nas profundezas da Nossa Senhora do Monte.
Numa noite de temporal, uma conhecida parteira de Arruda foi acordada por um misterioso homem que solicitou os seus serviços. Como a parteira era paga pela Câmara, não pôde recusar e teve de acompanhar o homem na sua carroça para as bandas da Nossa Senhora do Monte. A partir de certa altura, a parteira perdeu a noção do caminho e só se apercebeu de ter calcorreado um sinuoso caminho, por meio de tojos e piteiras e de ter entrado no interior de uma gruta, conduzida pelo mouro. Depois de atravessar várias galerias iluminadas, deparou-se com uma bela mulher em trabalho de parto e ajudou-a a dar à luz um lindo rapaz louro.
No final dos trabalhos, o mouro conduziu-a a um salão, onde se amontoavam tesouros e pediu-lhe que escolhesse o que quisesse como recompensa. A parteira não queria trazer nada, alegando que esse era o seu trabalho, limitando-se a pedir ao homem que a viesse trazer a casa.
Sem se ter apercebido, a mulher acordou de manhã na sua cama e, olhando para a cómoda, viu uma taça dourada, reconhecendo no objeto o agradecimento da família de mouros que tinha socorrido nessa noite.
Lenda do Ouro e da Peste
Nas profundezas da Nossa Senhora do Monte há duas minas: uma de ouro e outra de peste. Na vertente virada para norte, escarpada e sem vegetação, acredita-se que haja uma entrada para a mina de peste. No entanto, com medo de a libertar e provocar assim uma terrível mortandade, a população nunca procurou a entrada da mina de ouro, na parte nascente do monte, mais verde e viçosa.
Lenda de São Tiago dos Velhos
Em tempos de que não há memória, não havia missa na aldeia de Santiago. Em julho, por altura das festas de São Tiago, os velhos do lugar, saíam de casa de madrugada e iam a pé à Sé Catedral de Lisboa, a fim de cumprirem a sua devoção e representarem a sua aldeia nas festividades.
Conta-se que a Imagem do santo não saía na procissão, sem que chegassem os velhos, trazendo consigo o pendão da aldeia. Quando eram avistados à entrada da catedral, os habitantes de Lisboa exclamavam: “Lá vêm os irmãos velhos de Santiago”. A partir de então, a povoação ficou conhecida por São Tiago dos Velhos, tendo sido ordenada a construção de uma igreja em louvor ao santo.
Lenda de Nossa Senhora da Ajuda
Conta o povo que há muito, muito tempo costumava andar uma pastorinha a apascentar o seu rebanho no local onde se situa hoje a povoação de Nossa Senhora da Ajuda. Certo dia, enquanto descansava sobre uma pedra, apareceu-lhe uma Imagem muito linda e luminosa que lhe pediu para ser construída naquele lugar uma ermida em sua honra. O pai, Afonso Anes, quando a filha lhe contou que fora “visitada” pela “Rainha dos Céus”, acusou-a de estar a mentir, proibindo-a de tocar mais no assunto.
Porém, dias depois, enquanto vigiava o seu rebanho, a Imagem voltou a aparecer, ainda mais luminosa, insistindo no pedido de ser construída uma ermida naquele local.
A pastorinha, embora receosa da reação do pai, contou-lhe de novo o sucedido, tendo este respondido que, da próxima vez que fosse visitada pela Senhora, lhe dissesse que não podia ser construída nenhuma ermida naquele local, pois ali não havia água, o que impediria a realização de qualquer obra.
Dias depois, incomodado com a insistência da filha, Afonso Anes seguiu-a até ao local onde supostamente havia de aparecer a “Senhora muito formosa”. Qual não foi o seu espanto, quando viu a rapariga levantar uma pedra, de onde começou a jorrar água fresca, em muita abundância.
Verificando tratar-se de um milagre, o pai da pastora pediu-lhe perdão, cedendo o terreno para a ermida e mobilizando toda a gente do lugar para ajudar na sua construção. Agradeceu ainda à Virgem ter escolhido a sua humilde filha, como veículo de tão nobre pedido.
A partir desse dia nunca mais faltou água naquele lugar abençoado, sendo atualmente o Santuário de Nossa Senhora da Ajuda, um dos maiores locais de devoção no concelho de Arruda dos Vinhos.
O Demónio do Pinhal do Álamo
Num dos limites do concelho de Arruda com o de Alenquer, existe um pinhal que o povo diz ser assombrado por demónios.
Certo dia, um jovem, quando regressava a casa do “balho” no Lugar da Serra, teve de atravessar o pinhal de madrugada. Á medida que percorria o caminho no meio do mais absoluto breu, viu no chão duas carreiras de pedrinhas alinhadas e reluzentes que o conduziam a uma pequena clareira. Movido pela curiosidade, seguiu a luz das pequenas pedras até chegar junto de um cabrito branco, com aspeto frágil e delicado, e que se ofereceu sem resistência às suas festas. Pegou no animal e levou-o para casa.
Quando entrou a porta com o cabrito branco ao colo, a mãe, olhando para o animal, benzeu-se e exclamou:
- Cruzes! Um cabrito tão branco, perdido no pinhal a uma hora destas só pode ser obra do Demónio!
O cabrito, saltando do colo do rapaz, desapareceu com um grande “estoiro” pelo buraco da chaminé e respondeu:
- Em cima de ti caguei e em cima de ti mijei!
O rapaz nunca mais foi ao “balho” do Lugar da Serra e nunca mais atravessou o pinhal do Álamo que ainda hoje, se diz, ser povoado por demónios.
O Lobisomem
Conta o povo que antigamente nesta terra havia muitos lobisomens. O “fado” era apanhado por qualquer homem que se deitasse em noite de lua-cheia no local onde um burro se tivesse espojado.
Uma vez enfeitiçado, o homem transformava-se em todas as noites de lua-cheia, tendo de percorrer sete vilas castelhanas ou “ acasteladas”. Se alguém se atravessasse à sua frente, podia ser perseguido pelo “monstro” até à morte.
Certo dia, a pobre mulher de um lobisomem, sabendo como quebrar o fado ao marido, confiou o segredo a uma vizinha e pediu-lhe ajuda para a próxima noite de lua-cheia.
Cheias de coragem, as duas mulheres, assim que o lobisomem saiu de casa para cumprir o seu fado, dirigiram-se à eira, onde o homem havia deixado a roupa do avesso, viraram-na do direito e fugiram rapidamente para dentro de casa, colocando uma pesada tranca atrás da porta.
O lobisomem, tendo-se apercebido do que estava a acontecer, ainda teve tempo de dar dois coices na porta, antes de passar o enguiço. Depois, agradeceu à mulher e à vizinha por lhe terem quebrado o penoso “encanto”.
Durante muito tempo, a porta ficou com os dois coices marcados.
O Caso da Perua
Antigamente, as bruxas reuniam-se à meia-noite nas clareiras, nos pegos dos rios, nas eiras e nas encruzilhadas, transformando-se em simples luzes que dançavam ao som das suas estridentes gargalhadas ou tomando a forma de animais.
Certa noite de verão, quando regressava a casa da taberna, um conhecido lavrador dos arredores de Arruda, deparou-se no cruzamento dos “ Três Portões” com uma linda perua, que entrou numa seara de trigo, desafiando-o a persegui-la. O homem, encantado pela ligeireza do animal, meteu-se atrás da perua e, na ânsia de alcançá-la, atirou-lhe com uma folha de piteira que cortou junto de um muro e picou-a numa das asas.
Tendo sido picada, a bruxa desencantou-se e transformou-se numa mulher que, por acaso, era sua vizinha. O lavrador ficou espantado, mas teve de a acompanhar a casa, como é a obrigação de todo o homem que “quebra” o fado de uma bruxa.
No dia seguinte, quando chegou a casa de mais um dia de trabalho, o lavrador viu a vizinha a conversar ao portão com a sua mulher, de braço ao peito.
Intrigada com o ferimento da vizinha, a mulher do lavrador indagou-lhe sobre o que lhe havia sucedido. Muito queixosa, a “desencantada” lamentava-se à vizinha que se picara na véspera numa piteira, a caminho de casa.