História da Bruxa da Arruda


Na cultura popular de Arruda ainda permanece na memória de uns e imaginário de outros a Bruxa da Arruda, a famosa curandeira, ou curandeiras, que segundo a tradição descendem de uma geração de mulheres da mesma família, cujos conhecimentos terão sido herdados de algumas Comendadeiras da Ordem de Santiago, esposas dos cavaleiros da mesma Ordem. Dizem as histórias que a Vila de Arruda terá sido doada, à Ordem de Santiago por D. Afonso Henriques em 1172, em agradecimento pela ajuda dada nas conquistas de importantes cidades ao mouros e, provavelmente por aqui permaneceram entre os séculos XII/XIII.


O médico Dr. Tito Bourbon e Noronha, numa carta data de 2 de Novembro de 1934, descrevia assim o fenómeno da Bruxa da Arruda ao Dr. José Leite de Vasconcelos:
«Sim a bruxa da Arruda existe, existiu e existirá […]. Quando vim para aqui em 1885, vai fazer cinquenta anos, pompeava a célebre bruxa da Arruda, no Casal da Neves, que, por sinal, não fica em o concelho da Arruda, mas sim no de Vila Franca de Xira, freguesia de São João dos Montes, mas muito perto desta Vila, e por isso era conhecida por bruxa da Arruda. Era ela de sua graça Ana Loura, saloia grossa de formas, mãe de numerosa prole; eu tive o prazer de lhe extrair a ferros o décimo sexto filho, uma bojuda pimpolha, actualmente moradora em Vale do Grou, a um quilómetro da Vila, e exercendo, como a mãe, a rendosa profissão, e que dá o nome de Adelina Toca Félix. Manda a verdade que se diga que a aura desta não é pálida sombra da da mãe. Uma outra filha, de nome Maria da Piedade, abriu consultório no lugar da Ajuda, freguesia de Arranho, deste concelho, ainda com a mãe viva, e fazendo-lhe concorrência; Também já morreu, deixando uma vergôntea, que só bruxoleia. Uma terceira filha estabeleceu-se na Malveira, mas há uns anos ausentou-se, creio que para Lisboa. A bruxa mãe lia no azeite, deitado num prato com água, a doença do consulente, e receitava uns fumos de ervas, uns purgativos, não indo além da magnésia e sal amargo; para as dores opodeldoque. Não marcava o preço; recebia o que lhe davam e mais 300 réis para a escreventa.»


A fama da Bruxa da Arruda multiplicou-se por todo o país, e no início do século XX o Diário de Notícias, de 29 de novembro de 1906, publicou «A Bruxa da Arruda». Um repórter do Diário de Notícias foi consultar a mais célebre bruxa de Portugal. A Ana Loira já tem uma fortuna avaliada em 20 contos. Duas filhas também dão consultas:
«A caminho do Casal das Neves
É num casal com este nome onde reside a célebre bruxa, próximo de Arruda (…) Soubemos ali que a bruxa e uma sua filha, que também dá consultas de bruxaria, costumava ir vender queijos de ovelha ao mercado. Procurámo-las, mas não a encontrámos.
- Hoje é dia della ter muita freguezia e não pode vir com certeza – alguém nos disse. (…)
- Daqui a casa da bruxa é muito longe? – perguntámos (…)
O casal abrange uma grande área. Dá-lhe ingresso um caminho de cabras, tendo d’um e d’outro lado, mas só á entrada, um bocado de muro feito de pedra solta. Ao fundo é que fica a casita da bruxa, ou por outra, o consultório. (…) Apareceu-nos uma das filhas da bruxa, que é quem a substitue na sua ausência, dando consultas, ajudando a mãe, com quem aprendeu, quando a freguezia é muita. É uma mulher relativamente alta e forte, bonita, de olhos expressivos e cabellos pretos. (…)
- A sua graça? – perguntámos.
- Assumpção da Piedade Loira, uma sua criada.
- Muito obrigado. Só precisamos que venha a sua mãe… Também dá consultas?
- Dou. Quando não está a minha mãe, eu é que dou volta á freguezia, mas sempre cá em casa. Tenho outra irmã, que se chama Maria da Piedade Loira, que também sabe porque aprendeu, como eu, com a minha mãe.
- Onde é que ella dá consultas?
- Lá p’ra riba, no logar de Nossa Senhora da Ajuda.
- Qual é a que faz mais negocio?
- Mais negocio?! Aqui não se faz negocio; cura-se gente e advinham-se coisas. Mas quem faz mais, o que não admira, porque é a mais practica e antiga cá n’isto, é a minha mãe.
- Quantos filhos teve ella?
- Uma ‘catrefa’ d’elles. Foram 19.»


No dia 30 de Novembro de 1906, o Diário de Notícias publicou a segunda parte da reportagem, destacando-se os seguintes trechos:
«Sem um momento de vacilação, dirigimo-nos para a casa das consultas. (…) Quando entrámos, perguntámos á bruxa se era ali a sala do ‘consultorio’.
- É, é, porquê? Gosta d’ella? – respondeu-nos a mulher ‘milagreira’ com um sorriso nos lábios. (…)
Passado pouco tempo a Ana Loira começou assim a sua narrativa acerca da maneira como cura os doentes:
- Uma pessoa quando adoece vem cá para eu a escutar e ver o que tem e depois faço a oração e leio na água, com letras d’azeite, a doença que essa pessoa tem. Quando o doente não pode vir manda outra pessoa qualquer, que traz uma peça do seu vestuário, sendo sempre melhor vir uma camisa, ceroulas ou meias. Essa peça deve ser tirada do corpo da pessoa doente e sem ser lavada ou posta ao ar, embrulhada num papel ou n’um sacco. Eu então tiro para fora essa peça de roupa, ponho-a sobre o oratório e depois faço a oração. Para saber a doença que essa pessoa tem, cheiro muito bem a tal roupa e depois leio a doença na água, como já lhe disse. (…)
Passamos a fazer uma ligeira descripção do oratório onde se fazem os ‘milagres’.
É d’uma madeira negra, semelhante a pau de santo e bastante antiga, tendo os caixilhos pequenos. Pela parte de dentro, tem uma prateleira. Metade do oratório serve para os santos, tendo uma imagem do Christo Crucificado e outras imagens pequenas e grandes, umas de papel e outras de barro. O fundo é todo forrado por um grande numero de medalhas de papel com santos, que é costume vender nos arraiaes. (…) A outra parte tem de tudo, como na botica. Parece mais uma arrecadação de que um oratório.
Tem bonecos, objectos de barro, canecas, botijas com azeite, jornaes, caixas de lata, emfim, para nada lhe faltar, até vimos a um canto, uma tijella com vinho, tendo junto um molho de massarocas de milho. (…)
Junto, na meza do oratório, vêem-se os petrechos para as benzeduras. Ao centro um prato de louça, com agua, e ao lado uma espécie de panella, mas em miniatura, de folha, e que tem um pé que encaxa numa outra peça também de folha. Serve este exquisito objecto para o azeite, e para a bruxa serve de tinteiro, com ‘tinta’ de escrever. O ‘papel’ é a agua…
Na mesma meza, sobre a qual está collocado o oratório, vê-se uma chapa de metal amarello muito polida, do feitio e espessura dum pataco antigo. Dum lado vê-se nessa medalha gravada a imagem de Christo, sendo o verso liso.
Vimos também, com a peça de metal, um pé de cabra ou coisa parecida, tendo na extremidade uma figa. São estes os petrechos para a benzedura.
Sobre uma arca está uma lata d’azeite para deitar no ‘tinteiro’. (…)
A bruxa benzeu-se e seguidamente com a mão direita pegou no tal pé de cabra e com a esquerda na moeda de metal, e voltando-se para nós perguntou-nos com voz grossa:
- Como é o seu primeiro nome?
- António. (…)
Seguidamente aponta a tal figa no oratório e exclama:
- Christo!
E depois apontou-nos a mesma figa, exclamando também:
- António! (…)
Collocou depois os dois objectos, a figa e a chapa de metal, sobre a mesa e pondo as mãos como quem reza, encostou-as ao prato que continha a agua e sempre com o olhar fito no mesmo, foi rezando, em voz alta, relativamente é claro, uma oração muito complicada, que não nos ficou de memória, nem era possível.
Entre outros pontos disse:
- Santo António das bilhas, Santo António das fontes, Santo António dos amores, Santo António milagroso, tira o mal á alma do António, ‘desembruxa-o’ de quem o ‘embruxou’, ‘desfeitiça-o’ de quem o ‘enfeitiçou’, António, foste olhado mal olhado, o teu ‘esprito’ não é mau… (…)
E continuou rezando… até que, calando-se, lança mão da latinha de azeite, mettendo-lhe um dedo dentro, molhando-o com aquelle liquido, deixando depois cautelosamente cair um pingo dentro da agua, limpando immediatamente o dedo á testa e ao cabello. Põe novamente as mãos e continua com a mesma oração, que termina com outro pingo dentro da agua e as respectivas dedadas na testa e no cabello.
Passou então a ler a nossa doença… (…)
Para a ‘aformentação’ das costas, ópio e deldôque; para o ‘estamago’ e barriga uma ‘aformentação’ d’arruda, marcella e alfazema frita e manteiga de vacca, e posto no ‘estamago’ um ‘emprato’ de pão de trigo, banha de porco e um ovo, isto feito em agua de girvão e ‘tadegas’, para se cozerem e a agua fazer o ‘emprasto’. Para beber á noite erva de sete sangrias; estando agoniado, chá de erva cidreira, e se tiver enjoo de ‘estamago’ chá de marmello. Isto ´r feito de vinte em vinte quatro horas, durante nove dias a fio. (…)»


A leitura do azeite para tratar o mau-olhado ou o quebranto, as orações e receitas com ervas medicinais faziam parte das suas práticas, assim como das suas filhas.


Conta-nos Tito de Bourbon e Noronha em ‘Memórias de um João Semana’:
«Ao morrer, a «ti Ana», apesar da sua sabedoria toda, foi o tronco de uma dinastia de bruxas; nada menos de cinco filhas lhe herdaram as artes e, como boas irmãs que se presavam de ser, resolveram separar-se, ficando uma no casal [das Neves], outra em Vale de Grou, a dois passos da vila, outra em Ajuda; a quarta foi para a Malveira e a quinta preopinante para Lisboa. E agora é que era espalhar benefícios e benzeduras por esse mundo fora.»

De acordo com entrevista efetuada a D. Eva …, neta de Adelina da Piedade Louro1, e bisneta de Ana Loira, os seus tratamentos ficaram ainda mais famosos devido à cura de uma menina, filha de um médico de Setúbal, que em desespero pela falha dos seus próprios tratamentos científicos recorreu à bruxa. Esta teria dado solução ao problema da menina em apenas dois dias. Uma das versões da estória encontra-se nesta exposição incluída nas lendas de Arruda - «O caso da Filha do Médico». Uma outra estória associada à Bruxa da Arruda também se apresenta na presente exposição - «O caso do Sapo com a Boca Cosida».

Dentro da tradição oral popular que surge em torno da Bruxa da Arruda muitas histórias se contam, algumas atribuem os seus poderes ao oculto e bruxaria e a trabalhos como tratamentos para exorcismo e mau-olhado, outras ao domínio do conhecimento de ervas e plantas medicinais.

Com base nas pesquisas efetuadas, é possível associar as cinco filhas de Ana Loira (Lérias) – a primeira Bruxa da Arruda, moradora no Casal das Neves, que possuíam o mesmo dom que a mãe, e que residiam em locais diferentes.




Lendas da Bruxa da Arruda


O Caso da Filha do Médico

A fama da “ Bruxa d´Arruda” chegava a todo o lado…
Um dia, um médico de Setúbal, não sabendo como havia de tratar a filha de uma estranha enfermidade, resolveu meter-se a caminho e procurar os serviços da “ Bruxa d´Arruda”, em desespero de causa.
A bruxa disse-lhe que tratava a rapariga, mas que tinha de a deixar aos seus cuidados durante três dias. O médico, sem ter outra solução, resolveu confiar a filha à sábia mulher. Durante dois dias, a rapariga não comeu nada nem bebeu, até que ao terceiro dia, a bruxa colocou um alguidar com leite junto da cabeceira da jovem paciente.
Momentos depois, saiu uma cobra pela boca da rapariga e esta curou-se.


O caso do Sapo com a Boca Cosida

Sobre os poderes do oculto conta-se, entre muitas histórias, o caso da filha de um casal de agricultores abastados que adoeceu de repente. Os pais, aflitos e assustados, tudo fizeram para curar a menina, mas todos os esforços foram em vão. Em desespero recorreram à bruxa que fez a leitura do mal que se abatia sobre a rapariga com recurso a um prato de azeite e outro de água e a algumas rezas. Após a leitura, a bruxa informou os pais que a sua filha seria vítima de mau-olhado e magia negra, aconselhando os seus pais a regressaram rapidamente a casa e a procurarem debaixo do colchão da cama de sua filha um sapo com a boca cosida, que o retirassem e descosessem a boca. A rapariga ia enfraquecendo e ficando moribunda à medida que o sapo ia morrendo. Seus pais seguiram o conselho da bruxa e a menina foi melhorando de dia para dia.



1 - Bruxa da Arruda, filha de Ana Loira, que residia no Vale de Grou


Documentos Relacionados

Folheto Bruxa dArruda

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